Aconselhamento e doutrina do pecado.
- Fernando Corrêa Pinto Maciel
- 17 de fev. de 2023
- 5 min de leitura
Fernando Corrêa Pinto
Alcançar um entendimento coeso sobre antropologia é fundamental para o aconselhamento bíblico. A doutrina do pecado está diretamente ligada a esse tema e também deve ser considerada com dedicação. Seus desdobramentos se fundem e deságuam em dilemas e soluções evidentes. A Palavra de Deus nos mostra isso, e é para lá que seguirei.
Após a obra da criação narrada em Gênesis 1, Deus realizou uma avaliação de Sua obra e concluiu ser boa (v. 4,10,12,18,21,35,31). Quando Deus disse que a criação era boa, Ele estava afirmado que era boa em cada sentido apropriado a cada criatura. A terra, plantas e animais eram proveitosos, fascinantes e belos. Eram harmônicos conforme o propósito que o criador os havia dado. Adão e Eva também eram, mas também em suas condições estéticas. Seus pensamentos, palavras, atos e obras agradavam a Deus. Eles portavam a imagem de Deus sem distorção. [1] Contudo, eles não eram imutavelmente santos, por isso, era possível tanto ser tentados como pecar. E foi isso o que aconteceu. Adão e Eva receberam a ordem de Deus para não comer do fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, caso o fizessem; morreriam, deixando implícito uma promessa de vida, na condição de haver obediência perfeita. Por isso, os puritanos do século XVII e a maioria dos teólogos reformados afirmam que Adão foi colocado em uma aliança de obras. [2] Nesta aliança, Adão foi colocado como cabeça federal de toda humanidade. Suas decisões positivas ou negativas teriam consequências para todos os seus descendentes. Como as Escrituras deixam claras, eles comeram a árvore proibida e perderam tal comunhão com Deus e tendo sua condição original afetada em todas as faculdade e partes, alma e corpo. (CFW, 6,2). Agostinho de Hipona afirma que Adão, após o pecado, foi levado ao exílio e devido ao seu pecado, toda a raça que se originou dele foi corrompida.[3] O pecado de Adão levou toda a criação a um estado deplorável. Ele levou a humanidade a um estado de incapacidade, doenças, corrupção, culpa, tristeza, ignorância em relação a Deus, morte e outros males. A miséria humana é o resultado do julgamento de Deus sobre o pecado do homem. No estado esta condição será eliminada (Ap 21.4).
Após fazer essa breve introdução consideremos a importância de entender a condição que a humanidade se encontra. Muitos podem relutar em associar o pecado à toda mazela que experimentamos, contudo, é certo afirmar que o sofrimento vem, ou por meio das atitudes pecaminosas pessoais, ou por outro indivíduo que se torna o agressor daquele que sofre. Alguns podem colher uma profunda depressão por conta de um abandono (isso seria uma agressão sofrida) ou alguém pode sofrer de depressão, seja por conta de longos períodos de uso de drogas, ou por maus hábitos de sono. Nos dois casos, o pecado está envolvido. Outros ainda poderiam trazer uma terceira condição. A condição de uma depressão química. Por mais que essa teoria possa ser questionada, considerarei a possibilidade. No caso de haver uma incapacidade de produção natural de determinados hormônios, essa também seria uma condição promovida pelo estado pós-queda do ser humano, um estado que fez com que o homem perdesse seu vigor inicial. Precisamos ainda admitir como causa primeira das causas das dores e tristezas da existência a soberania de Deus. Podemos ver isso no livro de Jó. Ele era um homem que pode ser considerado um exemplo de conduta que glorifica a Deus e, mesmo assim, sofreu de forma terrível. A sua história pode nos lembrar que mesmo que sejamos incansáveis na busca por santificação, podemos ter momentos de sofrimento. Posso ainda ir além ao afirmar que esses processos nos ajudam na obra de nos tornar como Cristo.
Como podemos lidar no aconselhamento quando nos deparamos com dores terríveis que o corpo não consegue suportar? Algumas crianças quando se machucam tendem a chorar, muitas delas não suportam muito os dilemas dos adultos, alguns idosos também tendem a ter menos resistência a doenças. Outros indivíduos adultos podem também apresentar fraquezas para problemas mais simples ou até mais complexos. O conselheiro precisa buscar em Deus e Sua Palavra orientação para exercer o cuidado. Aquele que se propõe a realizar o aconselhamento necessita possuir uma capacitação bíblica para realização deste serviço. Vemos em Romanos 15, 14 que a aptidão para a admoestação vem acompanhada de bondade, amor e conhecimento. Nas cartas de João podemos evidenciar o mandamento de amar reciprocamente (1João 3,23; 2João 1,15) Ainda em 1 Coríntios 12, 10 vemos ainda a necessidade dos dons do Espírito para discernimento. No aconselhamento, Deus ajuda o conselheiro a falar a verdade em amor para conduzir o aconselhado para a luz.
Talvez nesta minha última afirmação, sobre conduzir para a luz, encontremos uma motivação que justifique a escrita deste pequeno texto. Possivelmente uma justificativa que deveria vir no início mais detalhada, mas que também se faz oportuna aqui. Em minhas considerações finais percebo a necessidade de se falar sobre o assunto para uma correta condução do aconselhamento e para evitar, tanto um julgamento precipitado sobre o que é pecado ou uma complacência em relação ao erro. O primeiro risco vem acompanhado por pouco discernimento do que esta sendo ouvido por parte do conselheiro. É preciso saber fazer as perguntas corretas, estar atento ao que é dito e em algum momento, aguardar, porque o problema pode residir naquilo que ainda não foi dito. É preciso tomar cuidado em apontar o pecado sem o devido discernimento e motivação. O segundo risco pode ser encontrado na complacência com o equívoco. Muitos tentam amenizar a situação com receio de confrontar e magoar o aconselhando, isso possivelmente se justifica por uma postura vaidosa do conselheiro e temer que sua imagem possa ser comparada a de um déspota. É necessário que a confrontação seja real e em amor. Se um conselheiro observa que alguém está prestes a cair em uma cova, precisará ajudar o individuo a enxergar o caminho, mesmo que ele já esteja na cova. É preciso conduzi-lo para cima, entendendo que essa é uma obra de Deus e o conselheiro é um meio pelo qual isso acontece. A humildade é fator fundamental, um conselheiro que não entende que é tão pó quanto o aconselhando poderá se ver em um pedestal de salvador, e isso certamente não glorificará a Deus. David Powlison afirma que “a sabedoria tem uma simplicidade encantadora”.[4] Por isso, é importante observar que a raiz do problema pode estar ou em um ato pecaminoso do aconselhando, ou em um pecado cometido contra o aconselhando, por outra pessoa, ou em uma condição de debilidade do aconselhando, como o caso de uma doença mental. Em todos esses casos, os efeitos da queda certamente estarão no fundamento do dilema enfrentado. Richard Baxter afirma que o cuidado para um caso de melancolia precisa não só de amparo e conforto, mas também uma profunda investigação das causas e mudar as condições pecaminosas e ambientes que possam estar levando o sujeito a depressão.[5]
[1]FRAME, John, Teologia Sistemática volume 2, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, p. 190.
[2] BEEK, Joel e JONES, Mark, Teologia Puritana: doutrina para a vida, tradução de Marcio Loureiro Redondo, São Pualo: Vida Nova, 2016, p. 309.
[3] AGOSTINHO, A graça (A graça de Cristo e o pecado original, 2.39.44), v.I, p. 311.
[4] POWLISON, David, Como acontece a santificação, tradução: Meire Portes Santos, São Jose dos Campos: Fiel, 2018, p. 61
[5]BAXTER, Richard, Superando a tristeza e depressão com fé, tradução: Daniel Oliveira, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 50
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